Foto: Nathália Schneider (Diário)
A morte de uma detenta do Presídio Regional de Santa Maria está sendo investigado pela Polícia Civil. A família de Letícia Gonçalves, 41 anos, que morreu em julho deste ano, acusa a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) de não ter dado o suporte à apenada, que adoeceu dentro da casa prisional.
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Presa desde 2021 por tráfico de drogas, Letícia relatou a sua advogada, no início de junho deste ano, que estava com problemas de saúde. No encontro, ela afirmou que já havia recebido um primeiro atendimento médico dentro do presídio, mas que não teria sentido melhora. Com o passar do tempo e com uma piora em seu estado de saúde, a advogada realizou dois pedidos judiciais, ambos aceitos pelo juiz Ulysses Louzada, para que sua cliente recebesse atendimento médico fora da casa prisional, ordem que não teria sido cumprida pela Susepe.
Os pedidos ocorreram no mês de junho. Já os atendimentos foram feitos, em sua maioria, com a médica que atende semanalmente dentro do presídio. No dia 8 de julho, Letícia foi levada até o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) já desacordada e ficou internada por duas semanas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No dia 24 de julho, Letícia não resistiu e morreu.
A defesa da detenta e sua família alegam que houve omissão de socorro por parte da administração da casa prisional, o que teria acarretado na piora do estado de saúde de Letícia. A Susepe foi procurada pela reportagem e se posicionou sobre o assunto:
A administração do estabelecimento prisional cumpriu a decisão judicial e encaminhou a apenada para o devido atendimento médico. A apenada deu entrada no hospital após a equipe da Susepe ter acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Cabe salientar que a mesma também recebeu atendimento especializado anteriormente às decisões judiciais.
Confira abaixo, em ordem cronológica, o que mostram os documentos apresentados pela advogada e o que diz a Susepe sobre os questionamentos da reportagem.
- 22/05/23- De acordo com a Susepe, Letícia passou a relatar sintomas como dores de cabeça, de ouvido e de garganta, durante atendimento com a profissional de enfermagem dentro do presídio.
- Primeira semana de junho - De acordo com a defesa, em uma das visitas, a apenada teria relatado que "estava há pelo menos uma semana sem conseguir comer e que precisava de um atendimento fora da casa prisional".
- 12/06/23- De acordo com documentos divulgados pela advogada da família de Letícia, um pedido judicial foi protocolado em caráter de urgência, solicitando que a apenada fosse encaminhada à UPA para atendimento médico. Foi relatado que Letícia "não se alimentava, estava com infecção na garganta, ouvidos e sem urinar. Também informou que não saia para o pátio, pois sentia muita dor. Informou que pediu ajuda às agentes da Susepe, mas apenas hoje à levaram até a enfermaria, lhe deram uns remédios, porém não teve melhoras e estava muito doente, necessitando de atendimento médico com extrema urgência."
- 13/06/23- O pedido foi autorizado pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada, determinado que a detenta "fosse encaminhada com urgência, mediante escolta da equipe do estabelecimento prisional, para a UPA ou posto de atendimento diverso".
- 19/06/23- De acordo com informações disponibilizadas pela Susepe, a apenada recebeu atendimento médico dentro da unidade prisional neste dia. Após a consulta, em que houve a prescrição do uso de medicamentos, a equipe técnica teria entrado em contato com a família da apenada, que teria providenciado os remédios.
- 22/06/23- A advogada entra com um segundo pedido judicial solicitando novamente atendimento fora da casa prisional. Com base nos documentos, o pedido tem novamente caráter de urgência, reforçando que a apenada seguia alegando dores e que "de nada teria adiantado a consulta com o médico da casa prisional que lhe atendeu. A defesa técnica requer que a reeducanda seja encaminhada com extrema urgência para o UPA ou qualquer unidade de saúde capaz de atender sua necessidade de forma completa, onde possa realizar os exames necessários e receba atendimento eficaz para que se recupere da enfermidade." Aqui, a defesa solicita que o diretor da casa prisional fosse responsabilizado por descumprimento da ordem judicial.
- 23/06/23- O juiz Ulysses Fonseca Louzada novamente autoriza o pedido solicitado. Porém, no mesmo documento reforçou "não ter vislumbrado descumprimento da ordem judicial, já que a apenada foi atendida na unidade de saúde da casa prisional por médica responsável".
- 25/06/23- Segundo a Susepe, neste dia, Letícia foi atendida por profissionais do Samu dentro do presídio, que prestaram a assistência, a medicaram e a liberaram. Assim, após essa avaliação, não haveria necessidade de remoção para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
- 26/06/23- Ainda segundo a Susepe, a apenada, que alegava fortes dores, foi novamente atendida por profissional da rede municipal de saúde na unidade prisional e, na mesma data, encaminhada ao UPA, onde foi receitado novo tratamento médico, o qual teria sido concluído na unidade prisional. Segundo documentos disponibilizados pela advogada, neste dia, Letícia foi atendida na Unidade Básica de Saúde Dom Antônio Reis, nas proximidades do presídio.
- 29/06/23- Três dias depois, houve outro atendimento por profissionais do Samu na penitenciária.
- 03/07/23- A Susepe informou que, neste dia, mais um atendimento médico foi realizado dentro do estabelecimento prisional.
- 08/07/23- Neste dia, às 5h30min, a apenada deu entrada no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Segundo o atestado médico, assinado no mesmo dia pelo hospital, "a paciente se encontra na Sala Vermelha, em estado grave, está intubada e faz uso de ventilação mecânica". Letícia ficou internada na UTI em estado grave por 16 dias.
- 24/07/23- O Husm confirmou a morte da apenada, ocorrida às 1h30min. De acordo com o atestado de óbito, a causa direta da morte seriam "outras formas de choque". Ainda segundo o documento, a "paciente foi diagnosticada com uma doença auto-imune recentemente, sem tratamento e internou com uma infecção sem identificação, com uma carga viral alta e recebeu tratamento empírico." Outras complicações também foram descritas no documento.
Além das informações sobre atendimento, a Susepe afirmou que "a administração do estabelecimento prisional tinha ciência de que a apenada apresentava sintomas como dores de cabeça, de ouvido e de garganta. Em razão dessas queixas, a mesma estava sendo atendida por profissionais de saúde na própria unidade prisional e na rede municipal, então não deixou de receber atendimentos e tratamento".
Questionada sobre não ter encaminhado a apenada para um atendimento médico especializado anteriormente, a Susepe respondeu que "não houve remoção para internação anterior porque os profissionais de saúde que a atenderam não indicaram essa medida e que a Susepe teria plenas condições de executar, se assim tivesse sido indicado".
Após a morte de Letícia, a Susepe informou que todos os procedimentos padrões foram adotados pelo setor técnico da unidade prisional. Também informou que a família da presa foi informada, certidões referentes ao caso foram solicitadas e documentações também foram entregues aos familiares dela, além do fornecimento das orientações necessárias.
Questionada sobre a quantidade de profissionais da saúde disponíveis dentro do presídio, a Susepe respondeu que há uma médica clínica geral, que atende uma vez na semana (somente às segundas-feiras), um Infectologista que atende uma vez ao mês e uma enfermeira, que permanece no local sempre nas quintas-feiras. Também há um dentista, que atende duas vezes na semana. Além disso, informou também que há uma outra enfermeira, do quadro de servidores da Susepe, que atua diariamente no local.
A defesa de Letícia alegou que a Susepe não teria "equipe suficiente" para realizar a escolta da apenada até um estabelecimento de saúde fora da prisão e que essa justificativa teria sido dada por agentes em alguns momentos. Em relação a isso, a resposta da Superintendência dos Serviços Penitenciários é de que a informação não procede e que as escoltas para atendimento médico "são consideradas prioridades".
Investigação em andamento
Após um boletim de ocorrência registrado no dia 17 de agosto na Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA), o caso foi encaminhado para a Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção a Pessoa (DPHPP). Segundo o delegado Marcelo Arigony, o inquérito está em andamento e alguns depoimentos já foram coletados.
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